Os estudos e ensaios clínicos desenvolvidos com as células-mesenquimais no Brasil corroboram para os avanços alcançados pelos cientistas brasileiros na tentativa de proporcionar recuperação ou cura para condições ou doenças ainda tratadas, atualmente, de forma paliativa. A paraplegia e a tetraplegia ocorrem quando acontece uma lesão na medula espinhal, e como consequência há uma perda de movimentos e de sensibilidade, que na maioria dos casos são consideradas irreversíveis. Esse problema de saúde também está na lista de condições onde a terapia com células-tronco mesenquimais é estudada e pode vir a ser uma possível esperança.
O trabalho é da equipe que conta com a participação da doutora em Biologia Celular, Karla Menezes, que tem formação em enfermagem e ciências biológicas pela Universidade Federal de Uberlândia e é mestre e doutora em Biologia Celular pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre os anos de 2015 e 2021 lecionou na Faculdade de Medicina de Petrópolis, onde atuou como coordenadora de pesquisa clínica em medicina regenerativa. Hoje, presta consultoria científica e oferece suporte técnico para o desenvolvimento de pesquisas em medicina regenerativa.
1. Quais são as causas da paraplegia?
As paraplegias e tetraplegias são decorrentes de lesões na medula espinhal, que podem ser provocadas por uma doença (como tumores que acometem a medula espinhal) ou por um trauma, como acidentes automobilísticos, quedas, ou por projétil de armas de fogo. Na maioria dos casos o trauma provoca a fratura de uma ou mais vértebras da coluna vertebral e os fragmentos ósseos danificam a medula espinhal.
2. Quais tratamentos disponíveis? São efetivos? Suficientes?
Atualmente não existe nenhum tratamento eficaz para lesão da medula espinhal. O tratamento cirúrgico (laminectomia descompressiva) frequentemente é indicado para remover os fragmentos ósseos e, eventualmente, fixação do segmento vertebral. No entanto, não existe nenhum tratamento para ajudar na regeneração do tecido nervoso que foi danificado pela lesão da medula espinhal.
3. Quais os estudos desenvolvidos onde as células-tronco mesenquimais entram como alternativa?
Existem alguns estudos clínicos já concluídos e outros em andamento que estão sendo desenvolvidos nos últimos anos em diferentes países que utilizam células-tronco mesenquimais para tratamento da medula espinhal. A maioria deles estão numa fase inicial de desenvolvimento científico, e envolveram o transplante autólogo de células mononucleares da medula óssea. Atualmente os estudos clínicos estão avaliando o transplante autólogo (própria pessoa) de células-tronco mesenquimais derivadas da medula óssea, do tecido adiposo e também transplante alogênico (de doadores) de cordão umbilical. Em geral, essas células foram injetadas por via endovenosa, intratecal e também dentro do tecido nervoso da medula espinhal. Existem tanto estudos clínicos que abordam pacientes com lesão aguda quanto aqueles que realizaram tratamento na fase tardia (lesão crônica). Os resultados, em geral, demonstram que existe melhora neurológica, com recuperação de sensibilidade, e alguns casos de recuperação de parte dos movimentos. Alguns estudos relatam recuperação de controle de esfíncter vesicais. O tratamento com células-tronco mesenquimais permitiu melhora de qualidade de vida dos pacientes.
4. Quais são as suas pesquisas nesse sentido? O que foi observado?
Nossa equipe realizou um estudo pré-clínico desenvolvido em animais (ratos adultos) para avaliar o efeito do tratamento com células-tronco mesenquimais derivadas de tecido adiposo ou da medula óssea humana para lesão medular aguda. Os animais foram submetidos a dois tipos de lesão: uma que faz compressão da medula espinhal (simula o que acontece na maioria das fraturas provocadas por queda ou acidentes de carro) e também modelo de transecção completa da medula espinhal, no qual a medula espinhal foi totalmente seccionada. A injeção das células-tronco mesenquimais foi feita diretamente no local da lesão, dentro da medula espinhal, e imediatamente após a injúria. Os animais tratados com células-tronco mesenquimais apresentaram melhora da locomoção ao longo dos meses, com recuperação de até 50% das funções motoras que haviam sido perdidas nas lesões mais graves (no modelo de transecção completa) em relação aos animais controles (que não receberam nenhum medicamento). A análise histológica da lesão na medula espinhal demonstrou que houve redução da área e regeneração de alguns circuitos neuronais que são responsáveis pela condução do estímulo motor. Além disso, as células-tronco mesenquimais aumentam a quantidade de vasos sanguíneos e reduzem o número de células inflamatórias no local da lesão, o que ajuda o tecido nervoso a se regenerar.
5. Cite um exemplo prático de pesquisa já conduzida com células-tronco mesenquimais.
As células-tronco mesenquimais já são utilizadas na prática clínica em alguns países como Canadá para tratar pacientes que receberão um novo órgão, uma vez que elas promovem uma imunossupressão importante e evita problemas de rejeição.
6. Em qual estágio está sua pesquisa?
Esse estudo, desenvolvido com células-tronco mesenquimais em modelo de lesão medular, já foi concluído na fase pré-clínica, publicado e está pronto para passar para fase clínica.
7. Como avalia a medicina regenerativa no Brasil, de acordo com os recentes avanços regulatórios?
A medicina regenerativa permitirá o tratamento de diversas doenças que atualmente não possuem alternativa terapêutica pela medicina convencional. Os avanços regulatórios, particularmente em relação àquelas que foram desenvolvidas pela ANVISA (leia sobre), permitem que o produto de terapia celular seja efetivamente oferecido aos pacientes, de modo seguro e com evidência de eficácia comprovada. Há alguns anos, não existia nenhuma perspectiva do tratamento experimental chegar até a prateleira, pois não tínhamos legislação para se aplicar à terapia celular. Hoje existe um caminho que torna viável os estudos clínicos se transformarem em um produto terapêutico.
8. Qual é o seu ponto de vista sobre a medicina regenerativa?
Acredito que a medicina regenerativa (leia sobre) será uma nova alternativa para tratamento de algumas doenças do sistema nervoso central, como lesão medular e acidente vascular cerebral, sendo capaz de promover a regeneração do tecido nervoso e ajudar na recuperação das funções perdidas. Doenças que tenham origem inflamatória também poderão ser tratadas com células-tronco mesenquimais, uma vez que essas células possuem um efeito anti-inflamatório sistêmico (leia sobre) muito acentuado. Isso envolve tanto doenças autoimunes como também doenças inflamatórias relacionadas a um processo degenerativo. Lesões ósseas, tecido cartilaginoso, bem como musculares poderão ser beneficiadas pelo transplante autólogo, evitando cirurgias agressivas e implante de próteses. Não acredito que o uso de células-tronco mesenquimais seja como um curinga a ser aplicado a todos os tipos de doenças. De fato, acredito que elas poderão beneficiar diversas pessoas que hoje não possuem nenhuma alternativa eficaz de cura.
9. Como você vê as terapias integrativas disponíveis hoje com células-tronco e quais são os benefícios para quem precisa do tratamento?
As terapias integrativas (leia aqui sobre), que somam um conjunto de tratamentos com foco na saúde do paciente, já fazem parte da abordagem atual e acho que em relação à terapia celular faz todo sentido. A combinação do uso de células-tronco mesenquimais com biomateriais (entenda aqui) e outros produtos biológicos como fatores de crescimento é estratégico para alcançar maior benefício de alguns tratamentos. Lesões que apresentam uma perda de continuidade tecidual, por exemplo, necessitam de um produto biológico adequado para preencher o espaço e ser condutor das células. Além disso, existem diversos estudos os quais demostram que algumas moléculas biológicas podem ativar as células-tronco mesenquimais e acentuar seu efeito terapêutico. Cada doença específica precisa ser estudada para avaliar a melhor combinação terapêutica.
10. O que diria para famílias que estão pensando em armazenar as células-tronco mesenquimais das crianças?
Armazenar células-tronco mesenquimais hoje é uma medida estratégica para quem se preocupa em ter à disposição um tratamento para doenças que ainda não possuem cura ou que são difíceis de serem tratadas.
11. Na sua opinião, de forma geral, qual a importância do armazenamento de células-tronco mesenquimais?
A importância de ter células-tronco mesenquimais armazenadas é a possibilidade de poder dispor, num curto intervalo de tempo, de células para o tratamento de uma doença grave que ainda não tem nenhuma alternativa de tratamento convencional. Essas células podem ser utilizadas tanto para a criança quanto para um adulto da família, no caso de uso para controle da resposta inflamatória do organismo. Além disso, várias doenças que a criança pode vir a desenvolver durante sua vida poderão ser tratadas com uso de células-tronco mesenquimais.