Uma medicina mais assertiva, onde o conhecimento e a tecnologia favoreçam a individualidade, a precisão nos diagnósticos e a possibilidade de cura com procedimentos minimamente invasivos e sem a administração de drogas medicamentosas não está no futuro. Já é uma realidade hoje! Os estudos com as células-tronco mesenquimais, que comprovadamente podem regenerar tecidos e controlar a inflamação do organismo, por meio do seu potencial imunomodulatório, já estão bem difundidos no Brasil e no mundo. São inúmeros os ensaios clínicos que comprovam a eficácia delas, fazendo-as uma peça fundamental para a realização de terapias regenerativas no Brasil.
Segundo o médico ortopedista e traumatologista Edilson Machado, a medicina ruma para um futuro onde as doenças poderão ser tratadas com as células-tronco mesenquimais do próprio indivíduo. O profissional e sua equipe, da Clínica “Regenerar” (conheça aqui), atuam no manejo da dor e doenças degenerativas. São autores de diversas pesquisas na área da regeneração tecidual e, recentemente, iniciaram parceria com a R-Crio para a coleta e o estudo de células-tronco mesenquimais.
Ainda segundo Machado, a administração de remédios e procedimentos muito invasivos poderão ser adiados ou praticamente dispensados. O médico, que acumula títulos como pesquisador na área de dor e doença degenerativa da coluna, mestre em diagnóstico genético e molecular, fase final do PhD em medicina com tese sobre terapia regenerativa para a dor lombar, é o convidado da R-Crio para essa entrevista, onde fala sobre sua área de atuação, perspectivas e a importância do armazenamento das células-tronco mesenquimais para a longevidade e qualidade de vida.
Conte um pouco sobre a sua trajetória profissional e como iniciou os estudos com células-tronco.
Em 2005 fiz um mestrado em genética e diagnóstico molecular. Realizei um estudo que pesquisou as causas da degeneração na coluna lombar em meus pacientes. Esse foi o primeiro passo que dei procurando entender os mecanismos da degeneração articular para, então, propor alguma terapia regenerativa. Nessa época também surgiam as pesquisas sobre o uso de células-tronco e Plasma Rico em Plaquetas (PRP) para tratar doenças degenerativas.
Explique um pouco do seu trabalho com o uso de PRP nas terapias regenerativas.
Aprofundei os meus estudos com o PRP por ser uma terapia mais acessível e que já tem uma vasta literatura tanto de ensaios clínicos quanto de revisões sistemáticas com metanálises demonstrando a eficácia. Também é uma técnica mais simples de aplicar na prática clínica do dia a dia. Tenho um projeto de doutorado, que está em fase final, onde já acumulo algumas publicações na área. Esse projeto é uma continuidade dos estudos do mestrado daquela época (2005), que se tratava de terapia regenerativa na doença degenerativa da coluna lombar.
Dentre os projetos desenvolvidos, qual está mais avançado? Quais são as expectativas?
Tenho dois trabalhos bem adiantados. Um está completo. Trata-se do desenvolvimento de um protocolo de obtenção de Plasma Rico em Plaquetas (PRP). Inclusive, com dois artigos publicados sobre a técnica, onde demostramos que é um procedimento de baixo custo, com segurança biológica (sistema fechado) e bons resultados clínicos. Já é utilizado na prática clínica dos protocolos de pesquisa e tem demonstrado sucesso nas aplicações. Em um ano de acompanhamento dos pacientes, pós-injeção, houve queda de aproximadamente 70% no uso de opioides (medicamentos usados para tratamento de dor) pelos pacientes que passaram pelo procedimento.
A terapia desenvolvida por você ou equipe de profissionais da qual faz parte já está sendo aplicada no Brasil? Em caso positivo, para quais tratamentos?
Existe uma certa restrição do Conselho Federal de Medicina (CFM) para a terapia que estamos desenvolvendo, que limita o uso apenas em protocolo de pesquisa. Por esse motivo, tenho alguns protocolos já registrados no sistema CEP/Conep, da Plataforma Brasil – base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos. Estamos buscando junto ao CFM a regulamentação e a liberação para a aplicação clínica, até pelo grande volume de publicações que surgiram nos últimos anos. A última resolução do CFM é de 2015. Nesses últimos sete anos, só no PubMed – plataforma de busca da National Library of Medicine (NLM), que reúne registros da base de dados Medline (principal base produzida pela NLM), com citações e resumos de artigos de investigação em biomedicina -, a média de artigos sobre o Plasma Rico em Plaquetas tem sido de mais de mil por ano, sendo a vasta maioria favorável ao uso. As principais indicações dentro da minha especialidade – e que tem o nível de evidência um, o maior, com revisões sistemáticas e meta análises – são para a doença articular degenerativa e tendinopatias. Por exemplo, temos mais de 80 revisões sistemáticas falando a favor do uso do PRP na artrose do joelho, onde há demonstração de serem mais eficazes que as injeções de corticoides e anti-inflamatórios, os quais apresentam potenciais efeitos colaterais.
Quais são as suas expectativas sobre o uso de células-tronco em terapias regenerativas e para a longevidade?
Sempre dizemos que a porta de entrada para a Ortopedia Regenerativa é o PRP. Como citei anteriormente, ele é mais simples e mais acessível. Atualmente, também, acontece uma maior facilidade para o uso de células-tronco mesenquimais, sejam concentradas ou expandidas. A expectativa é que isso cresça para que possamos viabilizar a aplicação nos pacientes. Certamente terá uma larga utilização, principalmente para tratar doenças degenerativas do aparelho locomotor, sejam elas nas articulações, na coluna vertebral, no tecido muscular ou ligamentos. Será muito utilizado em toda a área osteoarticular.
Armazenar as células-tronco, na sua opinião, é uma esperança para tratamentos futuros?
É uma grande esperança! O fato de podermos guardar as células mais jovens hoje para serem utilizadas daqui a alguns anos é uma grande ideia. Que bom que ela tenha sido viabilizada! Certamente é uma prática que ganhará dimensão em um futuro próximo. As terapias regenerativas vão aumentar, principalmente devido ao envelhecimento da população, que desenvolverá cada vez mais doenças degenerativas. Certamente irão precisar de mais tratamentos regenerativos.
Como você analisa os avanços regulatórios do Brasil em relação às terapias regenerativas?
Em algumas áreas já tivemos grandes avanços. No entanto, ainda existe muita limitação, principalmente em relação ao CFM (Conselho Federal de Medicina), cujas resoluções estão defasadas em pelo menos 10 anos. Há uma certa contradição. Veja, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) já regulamentou, há mais de cinco anos, o uso do PRP. Os profissionais da medicina veterinária também já utilizam. No mundo todo – Europa, EUA, Japão, China, Rússia, entre outros – a técnica de PRP já é largamente viabilizada, sendo que em alguns locais há mais de 20 anos. Então, não se entende o porquê dessa demora, já que a nossa biologia não é diferente dos nossos irmãos de outros países.
Quais as suas expectativas para a medicina do futuro?
A medicina do futuro já existe. Temos conhecimento e tecnologia para uma prática individualizada, de precisão e regenerativa para oferecer aos nossos pacientes. Acredito que a melhor investigação das causas das doenças tornará o tratamento mais eficaz. Por exemplo, hoje temos diversos kits de testes genéticos que podem ser feitos para investigar predisposições a doenças em nossos pacientes. Esse material está cada vez mais acessível para a população. Me lembro de quando foi decodificado o genoma humano: a primeira sequência custou bilhões de dólares. Atualmente, com algumas centenas de dólares, já é possível fazer testes genéticos bem completos. Esse conhecimento, do perfil genético do paciente, vai nos ajudar muito. Isso associado a toda a melhor compreensão da nossa fisiologia e biologia molecular. Entendemos cada vez mais o corpo humano como um todo. Enquanto no século XX o conhecimento foi fragmentado e a medicina dividida em especialidades de órgãos e de sistemas, hoje acontece a reintegração. Por exemplo, os ortopedistas têm que entender de genética, de fisiologia, de nutrição. Tem de saber se o paciente está se alimentando bem, pois alguns alimentos são causa de inflamação no organismo. Essa inflamação pode piorar o processo de artrose e doenças como a fibromialgia. Com a união de todo o conhecimento que surge, teremos uma medicina mais específica e individualizada, que permitirá um tratamento de sucesso para os pacientes. Na área da prevenção, é muito importante tratar as doenças já estabelecidas, prever se o paciente pode desenvolver uma determinada doença, seja por meio do exame clínico, físico e testes genéticos e, com isso, evitar que a doença apareça ou tratar antes que se desenvolva. Esse será o sucesso para o futuro. Dentro dessa medicina integrada, é claro, estão as células-tronco. Essa capacidade que as células-tronco têm de se renovarem e serem, como diz nosso cientista Arnold Caplan, “células medicinais”, fará com que muitas vezes não seja preciso criar um novo medicamento para determinada condição; mas, simplesmente, utilizar as células-tronco como “células medicinais”. Elas que irão tratar o paciente!