Ao longo do anos, com a evolução da ciência e das práticas médicas, pudemos melhorar nossas condições de vida e prevenção na saúde. Antes, doenças infectocontagiosas eram as principais causas de morte no mundo, bastante por conta da falta de saneamento básico e medicamentos eficazes, como a penicilina. Agora, depois que vencemos a maioria dessas doenças, a medicina tem um novo desafio. As chamadas Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT) hoje são as principais causas de óbitos no mundo. E no Brasil não é diferente. Como já vimos aqui no blog, muitas dessas doenças estão também relacionadas ao aumento da expectativa de vida, resultando o envelhecimento do corpo e o aparecimento dessas condições. As células-tronco, no entanto, podem servir como peças de reposição do organismo, garantindo que as pessoas tenham suas células jovens congeladas para usarem quando precisarem. Veja nesse texto como a terapia celular pode atuar nas doenças e condições mais comuns no Brasil.
Quais são as doenças mais comuns no Brasil?
Entre as doenças crônicas mais comuns no Brasil, estão as doenças cardiovasculares, cânceres, doenças respiratórias crônicas e diabetes. Segundo o site do Ministério da Saúde, o Brasil possui um plano para enfrentar essas doenças na próxima década (2021-2030). O chamado Plano DANT (Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil) contempla 226 ações estratégicas para serem realizadas pelo Ministério da Saúde, governos estaduais, municipais e Distrito Federal. As DANTs (Doenças e Agravos Não-Transmissíveis) contemplam mais da metade das mortes no Brasil. Em 2019, por exemplo, 54,7% dos óbitos registrados no Brasil foram causados por Doenças Crônicas Não-Transmissíveis. Clique aqui para baixar o Manual do Plano DANT.
Entre as 5 causas de óbitos mais comuns no Brasil, estão as doenças do aparelho circulatório, neoplasias, doenças do aparelho respiratório, causas externas, doenças endócrinas e anomalias cromossômicas e malformações congênitas.
Tratamento com células-tronco no Brasil
O Manual do Plano DANT comenta o que também sempre falamos aqui no blog. Estamos passando por uma transição demográfica, observando um aumento progressivo da expectativa de vida e da população idosa em relação à outros grupos. Isso fez com que as DANTs tivessem um aumento expressivo nas causas de óbitos, alertando a classe médica e autoridades de saúde.
Uma das opções para o tratamento dessas doenças são as células-tronco. Basicamente, as células-tronco são células “curingas” do organismo, podendo formar células de vasos sanguíneos, coração, células de ossos, neurônios, células de cartilagem, músculos, células produtoras de insulina (células-beta), entre muitos outros tipos. Além disso, o congelamento de células-tronco permite “paralisar” a idade das células do beneficiário. Isso permite que ele tenha suas células saudáveis para serem utilizadas quando as células de seu corpo passarem a não funcionar direito.
O uso de células-tronco no Brasil está no mesmo patamar regulatório que países e regiões desenvolvidos, como EUA, Europa e Japão. Em 2020 a Anvisa publicou as regras para laboratórios e farmacêuticas registrarem e distribuírem terapias celulares para a população brasileira.
Células-tronco para doenças cardiovasculares.
No topo da lista, estão as doenças do aparelho circulatório. Essas doenças são a hipertensão, insuficiência cardíaca, Acidente Vascular Cerebral (AVC), entre outras. Nesses casos, as células-tronco possuem aplicabilidades distintas.
Células-tronco e Insuficiência Cardíaca
Algumas terapias celulares estão sendo desenvolvidas para o tratamento dessa condição. A regeneração cardíaca é a prática de buscar regenerar o músculo cardíaco (miocárdio) por meio de injeções intra-miocárdicas de células-tronco do próprio paciente. Evidências apontaram que as injeções foram seguras e melhoraram a função miocárdica de pacientes com insuficiência cardíaca isquêmica grave (MATHIASEN et al., 2015).
Também, para esses casos, é interessante a aplicação de células-tronco com biomateriais. Já vimos nesse texto do blog que pesquisadores da Universidade de Osaka evitaram o transplante de coração de um paciente. O pesquisador implantou uma folha biodegradável com células-tronco no coração do paciente. O objetivo é que as células produzam mais vasos sanguíneos e melhore a função cardíaca.
Células-tronco e AVC
Pesquisadores da Universidade de Stanford investigaram o uso de células-tronco para combater as sequelas causadas pelo Acidente Vascular Cerebral (AVC) e tiveram ótimos resultados. Segundo a revista Correio Braziliense, em 2016, os voluntários puderam voltar a andar e falar, além de retomarem a rotina após a injeção de células-tronco no cérebro. O cirurgião responsável comentou na ocasião que ele acredita que os circuitos do cérebro estão inibidos, não mortos. Por isso, com o tratamento com células-tronco é possível desinibi-los. Os 18 voluntários tiveram um aumento médio de 11,4 pontos no teste de mobilidade, cuja pontuação máxima é 100. As melhoras mais consideráveis foram na habilidade de falar, andar, usar as mãos, força e coordenação.
O site Tudo Sobre Células-tronco também destaca um caso interessante. Eles apresentam um caso de pesquisadores da Universidade de Geórgia e seus estudos preliminares com camundongos. Os cientistas usaram vesículas de células-tronco, ou seja, pequenas “bolsas” secretadas pelas células. Os resultados mostraram que as células-tronco reduziram significativamente a área tecidual lesionada e a perda do tecido cerebral. Foi observado efeito positivo na memória e função sensorial e motora.
Células-tronco contra o câncer
Neoplasias são os cânceres, e podem ser benignas ou malignas (tumores). As células-tronco são também estudadas para tratamento ou otimização de tratamentos de câncer. A abordagem, nesse sentido, vem por meio de células chamadas de Natural Killer Cells (NKs). Essas células são do sistema imune e têm um papel muito importante no combate de infecções virais e células tumorais. Essas células tem o poder de identificar células estranhas com extrema agilidade, por isso foram chamadas de “células assassinas naturais”. As NKs podem ser isoladas do sangue dos pacientes, porém não em uma quantidade suficiente para realizar um tratamento.
Nesse sentido, a empresa FATE Therapeutics, em parceria com um hospital vinculado à Universidade de San Diego, desenvolveu um método para produzir NKs por meio de células-tronco com um custo relativamente baixo. Os estudos mostraram que as células foram capazes de destruir as células tumorais tanto in vitro (laboratório), quanto in vivo (ratos com câncer). Em novembro de 2018, os ensaios foram liberados para serem realizados em humanos.
Células-tronco contra doenças respiratórias crônicas
As doenças respiratórias crônicas mais comuns são a asma, bronquite, enfisema e hipertensão pulmonar. Além da fumaça do tabaco, existem outros fatores de risco causadores da doença, como poluição do ar, produtos químicos e infecções respiratórias frequentes durante a infância. Essas doenças não são curáveis, mas existem diversas formas de tratamentos para dilatar as passagens aéreas e melhorar a sensação de falta de ar.
Além da capacidade de gerar outras células do corpo, as células-tronco são conhecidas também por terem um potencial anti-inflamatório. Essa característica é amplamente estudada, inclusive para o tratamento da Covid-19 (leia aqui em nosso blog).
Células-tronco e asma
Cientistas da Monash University, da Austrália, trabalharam em um estudo pré-clínico (ainda não com humanos) e tiveram ótimos resultados. Eles administraram células-tronco mesenquimais em ratos com característica de asma. Isso fez com que diminuísse a inflamação dos pulmões, além de reverter sinais de remodelamento das vias aéreas e normalizar a fibrose das vias aéreas e pulmões.
Células-tronco e enfisema pulmonar
Um outro trabalho, divulgado pela Dra. Patrícia Rocco durante a XXXIII Reunião Anual da FeSBE (Federação de Sociedades de Biologia Experimental), apresentou uma abordagem do tratamento de células-tronco para enfisema pulmonar. A doutora estudou um grupo de pessoas que apresentava silicose, uma doença degenerativa bastante frequente em quem trabalha com jatos de areia. Segundo publicação do G1, divulgando os resultados da doutora, os pacientes diminuíram significativamente a quantidade de medicamentos após o uso de células-tronco, como os corticoides.
Em 2018, a Dra. Rocco buscou o tratamento para o enfisema pulmonar heterogêneo (quando atinge uma parte do pulmão). O tratamento convencional é retirar uma parte do pulmão. Entretanto, em uma parceria com a UFRJ e UFRGS, foi possível colocar válvulas endobrônquicas, via broncoscopia, e utilizar a terapia com células-tronco mesenquimais. A doutora comenta que nesse tipo de procedimento é comum aparecerem colônias de bactérias e há um cenário de possível infecção. Por isso, as células-tronco mesenquimais podem agir como anti-inflamatórios naturais, potencializando o efeito das válvulas e recuperação dos pacientes.
Células-tronco e diabetes
A endocrinologia é uma área que estuda amplamente as células-tronco, principalmente para o tratamento da diabetes. Segundo a Revista Veja, em 2021,estima-se que tenhamos só no Brasil cerca de 100 mil jovens com diabetes tipo 1, que acomete principalmente os jovens. O número de pessoas com diabetes tipo 2 no Brasil é mais assustador ainda. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Diabetes, e divulgados pelo laboratório Novartis, são mais de 12 milhões de brasileiros com a doença. Para ambos os tipos de diabetes, as células-tronco possuem abordagens bastante promissoras.
Células-tronco e Diabetes Tipo 1
A Diabetes Mellitus Tipo 1 (ou DM1) é quando as células de defesa do organismo começam a atacar as células do pâncreas que produzem a insulina, principal hormônio responsável por quebrar as moléculas de açúcar no sangue. Ela é uma doença autoimune. Por isso, as pessoas com DM1, devem fazer uso de insulina algumas vezes por dia. Ter pais ou irmãos com Diabetes Tipo 1 é um indicativo de risco, mesmo sem sintomas da doença.
As células-tronco nesse caso são utilizadas para “recriar” o sistema imunológico do paciente. Por meio de altas doses de quimioterapia e outras drogas, os pesquisadores da USP de Ribeirão Preto/SP “desligaram” o sistema imunológico do paciente. Em seguida, fizeram a infusão de células-tronco do próprio paciente, formando novas células sanguíneas e de defesa do organismo. As novas células formadas pelas células-tronco pararam de agredir as células produtoras de insulina. O restante das células-beta (produtoras de insulina) que ainda não tinham sido destruídas passaram a produzir insulina adequadamente. Por esse motivo, eles trabalharam somente com pessoas com diabetes no início, entre 12 e 35 anos.
Das 23 pessoas que participaram do processo, 20 deixaram de usar insulina em algum momento, sendo que 12 mantiveram a liberdade continuamente e 8 transitoriamente.
Regeneração das células-beta
A mesma pesquisa avaliou outra forma de abordagem para a Diabetes Tipo 1. Nesse caso, as células-tronco atuariam de forma regenerativa, formando novas células-beta que produzissem insulina adequadamente. Nesse caso, os pesquisadores multiplicam as células-tronco mesenquimais e infundem no paciente. As células migram até o tecido inflamado (no caso, o pâncreas) e lá se instalam. Nessa abordagem, um dos três pacientes participantes dos testes ficou livre de insulina.
Revascularização em Diabéticos
O excesso de glicose no sangue é tóxico para as células, e compromete a circulação de membros de pessoas diabéticas, fazendo com que a cada 30 segundos uma pessoa diabética é amputada no mundo. Entrevistamos aqui no blog o médico e pesquisador Túlio Navarro, da Universidade Federal de Minas Gerais. Nesse caso, a abordagem do pesquisador não foi tratar a diabetes, mas sim formar novos vasos sanguíneos para melhorar a circulação de membros em pessoas diabéticas.
As células-tronco têm grande capacidade de formar novos vasos sanguíneos. Os pesquisadores utilizaram células-tronco do tecido adiposo (gordura) do próprio paciente. Além da formação de novos tecidos, elas possuem a capacidade de inibir a morte celular e controlar a resposta inflamatória do local. E, assim que infundidas no paciente, elas passam a “recrutar” outras células para ajudar na regeneração da área doente. O médico ressalta que ele acredita não haver outro grupo que faz abordagem nesse sentido, e que as células-tronco também ajudam a cicatrizar feridas causadas pela doença.
Armazenamento de células-tronco: novas perspectivas para sua saúde.
Esses são só alguns exemplos de uso de células-tronco nas doenças mais comuns dos brasileiros. Apesar disso, elas podem ser usadas para diversos outros tipos de tratamentos, inclusive para condições comuns da vida. São elas artrite e artrose, calvície, incontinência urinária, impotência sexual, tratamento contra envelhecimento, entre outros fatores.
Veja uma lista de condições com uso de células-tronco:
NO MUNDO
• Acidente Vascular Cerebral (AVC)
• Lesão Cerebral
• Mal de Alzheimer
• Mal de Parkinson
• Reconstrução de Dentes
• Esclerose Lateral Amiotrófica
• Esclerose Múltipla
• Cirrose
• Doenças Renais
• Doenças inflamatórias intestinais
• Artrite
• Lesão da Medula Espinhal
• Doenças na Próstata
• Diabetes
• Doenças Cardíacas
• Doenças Pulmonares
• Surdez
• Problemas na Retina
• Calvície
• Reconstrução de Cartilagem
• Lesões Ósseas
• Bioengenharia de Órgãos e Tecidos
NO BRASIL
• Enfisema Pulmonar
• Lábio Leporino
• Anemia Aplástica
• Lesão Medular
• Osteoartrite
• Diabetes
• Degeneração de Retina
• Lipodistrofia
• Cardiopatia
• Reconstrução Mamária
As células-tronco mesenquimais têm sido utilizadas com
êxito em procedimentos estéticos e reparadores:
• Lábio Leporino
• Queimaduras
• Úlceras de Perna
• Rejuvenescimento Facial
• Tratamentos Capilares
• Lipoenxertia com células-tronco
Fontes:
- Organização Pan Americana de Saúde, 2020: https://www.paho.org/pt/noticias/9-12-2020-oms-revela-principais-causas-morte-e-incapacidade-em-todo-mundo-entre-2000-e
- Blog da GEAP, 2021: https://www.geap.com.br/blog/doencas-mais-comuns-entre-os-brasileiros/
- Ministério da Saúde, 2021: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/setembro/saude-apresenta-atual-cenario-das-doencas-nao-transmissiveis-no-brasil
- Ministério da Saúde – Plano DANT, 2021: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/09-plano-de-dant-2022_2030.pdf
- NIH: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5511846/
- Portal Tudo Sobre Células-tronco, 2019: https://tudosobrecelulastronco.com.br/
- Correio Braziliense, 2016: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2016/06/04/interna_ciencia_saude,534886/novo-tratamento-usa-injecao-de-celulas-tronco-para-amenizar-sequelas-d.shtml
- G1, 2018: https://g1.globo.com/bemestar/blog/longevidade-modo-de-usar/post/2018/09/04/pacientes-com-enfisema-podem-se-beneficiar-com-terapia-de-celulas-tronco.ghtml
- Sociedade Brasileira de Endocrinologia, 2009: https://www.endocrino.org.br/pesquisas-com-celulas-tronco-no-tratamento-do-diabetes/