Além de ajudar no tratamento de doenças, as células-tronco são também ferramentas poderosas para entender o desenvolvimento normal e patológico.
A epidemia de zika é uma preocupação global, principalmente por causa da aparente associação entre essa infecção e o aumento no número de casos de microcefalia nas regiões afetadas pela doença. Assim que essa associação foi percebida, grupos de pesquisa em todo o mundo começaram uma corrida contra o tempo para descobrir se o vírus zika, de fato, era o culpado pelos casos de microcefalia e, se fosse, de que maneira isso acontece.
Um estudo liderado pelo cientista brasileiro Stevens Rehen ajuda a esclarecer essas questões. A pesquisa foi destaque na revista Science, um dos mais importantes periódicos científicos do mundo. Afinal, essa tarefa não é fácil: não temos como acompanhar em tempo real o cérebro de um bebê ainda na barriga da mãe para saber como o vírus pode afetar seu desenvolvimento. Daí a importância das células-tronco como ferramentas de pesquisa.
Em laboratório, pesquisadores podem utilizar células-tronco para simular um cérebro humano se desenvolvendo. Nesse estudo, eles primeiramente induziram essas células a se diferenciarem em células que dão origem ao tecido nervoso. Quando colocadas em contato com o vírus zika, essas células perdem a forma, e não conseguem mais se multiplicar normalmente. Além disso, pode-se ver inúmeras cápsulas virais dentro das células que deveriam estar se encaminhando para virar neurônios. Fica claro então que o vírus zika é capaz, sim, de infectar células neurais em desenvolvimento e que, quando faz isso, as células não conseguem mais funcionar normalmente e morrem. Esse efeito é visto mesmo quando as células já estão mais maduras e organizadas tridimensionalmente, formando “minicérebros”. O vírus infecta essas células e as impede de dividir normalmente, fazendo com que os minicérebros infectados cresçam 40% menos dos que os saudáveis. E esse efeito parece específico do zika: o vírus da dengue, que é um parente próximo, não afeta a estrutura ou desenvolvimento dessas células.
Nesse estudo, células-tronco foram utilizadas, com sucesso, para simular o cérebro de um feto no primeiro trimestre de gestação. Mais estudos precisam ser feitos para se entender o efeito do vírus em outros estágios do desenvolvimento. No entanto, esse estudo é mais uma evidência sólida apontando o vírus zika como agente causador de má-formação do sistema nervoso.